Rodeios
Os rodeios
estão na moda: de Março a Novembro/93 foram previstas 112 “Festas do Peão”,
isso só no Estado de S.Paulo (“Folha de S.Paulo”, 02.Mar.93). Já em 05.Março.1997, a mesma Folha de S.Paulo
noticiou a programação anual de 1.200 provas pelo interior do país, existindo
105 estádios exclusivos para rodeios no Brasil, para um público estimado em 24
milhões.
Em
25.Fev.2011 o jornal Folha de S.Paulo (caderno referente a “Ribeirão Preto”/C1)
publicou informação do diretor de rodeio da associação Os Independentes, que organiza a competição de Barretos/SP (o mais
famoso rodeio do Brasil) que “dos 1.500 eventos legalizados que ocorrem
anualmente no país, 800 deveriam ser interditados porque não seguem as normas
básicas de segurança”...
Infelizmente,
1.500 rodeios “legalizados”...
— Quantos
mais, clandestinos?
Em São Paulo,
num gesto de sensibilidade e coragem do Prefeito de então (face aos opositores)
foi sancionada em 18.Mai.93 Lei municipal proibindo rodeios, touradas ou
eventos similares no município.
Idêntica
atitude tomou o promotor de Cravinhos/SP em 1995, requerendo por meio de ação
civil pública, concessão de liminar para impedir a realização de rodeio na 3a.
Festa do Peão de Boiadeiro, daquela cidade.
Em seu requerimento o promotor alegou que a utilização dos instrumentos
empregada no rodeio pode causar fraturas, cegueira e até a morte do animal. O
juiz de Cravinhos concedeu a liminar!
Ao que consta
rodeios estão proibidos em dezenas de cidades – só no Estado de S.Paulo seriam
35 cidades (!!!) (os interessados poderão realizar busca: “Proibição de
Rodeios” no “Google” e na “Wikipédia”, onde há relação dessas cidades). Em
Barretos/SP, todos os anos, normalmente em agosto, no monumental Parque do Peão
— projetado por Oscar Niemayer —, a “Festa do Peão de Boiadeiro” é assistida por
público de várias partes do Brasil.
NOTA: Ano passado (2011), em Barretos/SP, foi
necessário sacrificar um novilho seriamente machucado após ter sido golpeado
brutalmente por um peão, na prova denominada “vaquejada”.
Público
apreciador, na casa de milhões.
Segundo a
Wikipédia, a enciclopédia livre da internet, “estima-se que os rodeios sejam
seguidos por um público de cerca de trinta milhões de aficionados, que
acompanham os inúmeros festivais realizados”. Certamente tais dados se referem
à soma nos vários países onde os rodeios são realizados.
Sucesso
garantido...
— Mas,
afinal, o que são rodeios?
— Rodeios
utilizam cavalos e bois e na verdade são simulacros de touradas, as quais são
proibidas no território nacional, face o Decreto Federal 24.645/34, em vigor.
Em vigor?... Sim. Fiscalização?...
A Portaria n°
14, de 17.Jul.84, da “Comissão Coordenadora da Criação do Cavalo Nacional”,
subordinada ao Ministério da Agricultura, prescreve as normas que devem ser
obedecidas em rodeios e vaquejadas.
Maus tratos
são sumariamente condenados. A retórica é bela.
Se o
dispositivo legal protege o animal, não é isso o que acontece na
prática... O rodeio simula a doma de
cavalos indomáveis, o que é falso, pois os mesmos já são mansos. Quanto aos bois, é inacreditável seu emprego,
pois não são animais de montaria.
Três
perguntas que não querem calar:
— Para quê os
peões montam bois, "visando amansá-los", se desde os tempos antigos sabe-se
que não são animais adequados para isso (montaria)?
— Alguém tem
notícia de que para campear animais perdidos ou extraviados ou mesmo para tocar
boiadas, os peões utilizam bois como montaria?
— Por que só
são usados animais machos?...
Os maus-tratos aos animais (cavalos e bois) se
caracterizam pelo uso do sedém
(espécie de corda amarrada na parte traseira dos animais, de forma a comprimir
os órgãos genitais): quando a corda é bruscamente comprimida, no instante da
largada, os animais sentem dor intensa, daí, seus desesperados corcovos
(saltos, pinotes).
Observe-se
que os animais, até então calmos, só quando o sedém é repentinamente apertado,
simultaneamente com a abertura do brete (dispositivo para conter o animal),
entram em desespero — enganosamente, tal é tido à conta de indomabilidade...
O rodeio não
é de origem nem da cultura brasileira: veio da América do Norte e infelizmente,
entre nós, já tomou foros de acontecimento nacional.
Agora, então,
tendo os rodeios sido incluídos no roteiro da novela global “América”, suponho
que a coisa proliferou. Suponho: não tenho dados.
Uma tristeza:
quando a festa do rodeio termina e os alegres assistentes vão para suas casas
(ou para as choperias), desconhecem os dramas que ali iniciaram: sempre ficam
peões machucados, não raro com fraturas graves; outros peões, frustrados, veem
esboroar, em segundos, sonhos de emancipação financeira, glória e fama,
acalentados o ano todo; quanto aos animais utilizados, apresentando sequelas
nas virilhas como testemunhas eloquentes da crueldade por que passaram; dali
para frente, seu comportamento nunca mais será o mesmo, tornando-se assustadiços.
— O que esperar de um povo que se
diverte com isso?
— Essa é a gratidão humana
por sabidamente terem esses animais alavancado o progresso do mundo desde os
primórdios da civilização (e até hoje, ainda, embora em menor grau),
graciosamente doando sua grande força?
A
Lei Federal 9.615, de 24.Março.98 estabelece o desporto brasileiro como um
direito individual, normatizando sua prática. Em nenhum momento cita animais,
menos ainda rodeios... Não obstante, na esteira desse dispositivo legal,
tramitou na Câmara dos Deputados (Maio/99) um projeto tratando da regulamentação
da profissão do peão de rodeio.
A
Lei Federal n° 10.519, de Julho/2002 dispõe sobre a promoção e a fiscalização
da defesa sanitária animal quando da realização de rodeios e dá outras
providências. Multas, previstas nessa lei, são irrisórias (em até
R$5.320,00...).
Nessa
mesma lei há obrigação dos organizadores do rodeio de contratarem seguro
pessoal de vida e invalidez permanente ou temporária, em favor dos
profissionais do rodeio: peões de boiadeiro, “madrinheiros”, “salva-vidas”,
domadores, porteiros, juízes e até os locutores. Além dessa obrigação, deverão
também manter infra-estrutura completa para atendimento médico, com ambulância
de plantão e equipe de primeiros socorros, com presença obrigatória de clínico
geral.
Perguntamos:
para quê todo esse cuidado, senão porque rodeios são efetivamente atividade
perigosa para seus praticantes e até assemelhados?
Até
para os assistentes... Em 1997, em Ribeirão Preto/SP, um touro escapou da arena de rodeio,
saltou a cerca de proteção (1,85m de altura) e feriu sete pessoas. Por liminar
impetrada pelo promotor de Justiça do Meio Ambiente, naquele rodeio nenhum
animal estava com o cruel sedém. O touro que fugiu estava estressado, como,
aliás, todos os que participam dos rodeios, pois cavalos e bois não foram criados
por Deus para divertir pessoas em arenas barulhentas, muitas vezes em horários
noturnos.
Também
é de se perguntar: como ficará o aspecto legal dessa prática importada da América
do Norte (surgiu lá, na época da colonização), em face do Art. 3°, Inciso I, do
Decreto Federal n° 24.645, de 10.Julho.1934, assinado pelo saudoso Getúlio
Vargas:
(...) Art.
3° - Consideram-se maus-tratos ;
(...) I -
praticar ato de abuso ou crueldade em qualquer animal.
Por esse Decreto todos
os animais existentes no país são tutelados do Estado, sendo definido, em 19
artigos e em 31 itens, o que deve ser considerado mau trato a eles. O Decreto
determina às autoridades federais, estaduais e municipais, cooperarem com os
membros das sociedades protetoras de animais, no cumprimento da lei.
Ora:
sabidamente, dos rodeios resultam quase sempre animais feridos, sendo também
certo que todos os animais de rodeio têm o comportamento alterado, pela
atividade altamente estressante, realizada em horários e ambientes impróprios à
natureza deles. Observem suas pupilas...
Eurípedes Kühl